FORA DA VERDADE NÃO HÁ SALVAÇÃO?

Enquanto a máxima “Fora da caridade não há salvação” se apoia na fé fundamental em Deus e na imortalidade da alma, fé comum a TODAS as religiões, e que abre a todos os filhos de Deus o acesso à felicidade suprema, o dogma “Fora da Igreja não há salvação” se apoia sobre a fé especial em dogmas particulares e exclusivos que, em lugar de unir os filhos de Deus, alimenta a irritação e a divisão entre os sectários dos diferentes cultos religiosos.

A máxima “Fora da caridade não há salvação” é a consagração do princípio da igualdade diante de Deus; com esta máxima por regra, todos os homens são irmãos, e qualquer que seja a sua maneira de adorar a Deus, eles se estendem as mãos e oram uns pelos outros. Porém, com o dogma “Fora da Igreja não há salvação”, eles se lançam anátema, se perseguem e vivem em inimizade; o pai não ora pelo filho, nem o filho pelo pai, nem o amigo pelo amigo, desde que se julguem reciprocamente condenados para sempre. Esse dogma é essencialmente contrário aos ensinamentos do Cristo e à lei evangélica.

779Fora da verdade não há salvação seria o equivalente de “Fora da Igreja não há salvação, e também exclusivista, porque não há uma só religião que não pretenda ter o privilégio da verdade. Ora, qual é o homem que pode se gabar de possuir a verdade inteiramente, quando o círculo dos conhecimentos aumenta sem cessar, e as ideias se retificam a cada dia?

Dizia Sócrates:

“Devemos amar buscar a verdade mais do que qualquer outra meta de interesse. Contudo, não podemos – em hipótese alguma – ter a presunção de defendê-la, visto que enquanto tivermos a alma aprisionada à corrupção do corpo, que nos enche de mil apetites, de mil tolices e de mil quimeras, jamais possuiremos o objeto de nossos desejos: a verdade.”

Desse modo, se a Divindade houvesse feito da posse da verdade absoluta, a condição expressa da felicidade futura, isso seria uma sentença de exclusão geral; enquanto que a caridade (*), mesmo na sua acepção mais ampla, pode ser praticada por todos.

Refletindo os ensinamentos vivenciados pelo Cristo, que não propalava religião alguma, conclui-se que a salvação (ou aperfeiçoamento moral da alma) não deve depender de crença, conquanto que se observe as leis de Deus, e se pratique – por via das virtudes – o amor ao próximo nas relações de convivência; desse modo, compreende-se não ser racional dizer “Fora da verdade não há salvação”, máxima que divide em lugar de unir, e que revela naquele que a pronuncia a presunção de julgar-se detentor da verdade absoluta.

Submetei todas as vossas ações ao controle da caridade, e vossa consciência vos responderá; não somente ela vos evitará de fazer o mal, mas vos levará a fazer o bem: porque não basta uma virtude negativa, é preciso uma virtude ativa; para fazer o bem é preciso sempre a ação da vontade.

Todos aqueles que praticam a caridade são os discípulos de Jesus, de Buda, de Krishna, qualquer seja o culto a que pertençam.

(*) Entendei bem que a caridade não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações em que nos achamos com os nossos semelhantes, sejam eles nossos inferiores, nossos iguais, ou nossos superiores. Caridade, segundo Jesus, é a benevolência para com todos, a indulgência para as imperfeições dos outros e o perdão de todas as ofensas. Caridade é amar os inimigos, pagando-lhes o mal com o bem. Porquanto, se o mal dos outros nos torna reativos e igualmente maldosos, é porque não somos benevolentes, e, portanto, faltamos com a caridade.

Pensemos nisso.

(Extraído e adaptado de: O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XV)