VONTADE NÃO É DESEJO

A maioria de nós não tem o hábito da reflexão, senão por necessidades comuns do cotidiano. Geralmente, não distinguimos o desejo da vontade, e isso é um baita problema. Sem reflexão, agimos por impulso e não percebemos que este impulso – desejante ou reativo – é resultante do que sentimos; se não refletimos o que sentimos, certamente agimos de maneira equivocada pela perturbação emocional. Eis a vontade: agir de acordo com a reflexão racional; eis o desejo: agir por impulso apenas.

Kant, ilustre filósofo da era moderna, no livro “A Crítica da Razão Pura”, nos contempla com uma profunda análise moral e distintiva de desejo e vontade; e convida-nos à reflexão sobre as nossas escolhas. Estudando ética – num contexto histórico de antropologia sociológica – não é difícil entrever a influência negativa das sociedades atuais que, através de padrões balizados na importância da personalidade, vêm modelando a conduta humana de maneira cada vez mais egoísta, reativa e intolerante, influenciando de modo decisivo as nossas escolhas.

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Desejo é tudo o que emerge do pensamento à ação sem que se possa controlar; é o impulso instintivo, é a avidez pelo prazer das sensações. Vontade é a ação regida pela razão, independentemente da corrente dos desejos, ou seja, é o uso da razão para deliberar escolhas. Muito diferente de desejo, vontade é o saber materializado em conduta; é tudo o que o pensamento produz para se sobrepor aos instintos, a fim de viver melhor.

A fronteira entre a vida boa e a vida ruim está no descolamento entre a racionalidade e o impulso desejante, ou seja, entre a vontade e o desejo. A vontade percebe que, apesar do desejo, é possível viver na contramão dos instintos. A isso chamamos liberdade, que é a soberania da competência deliberativa sobre as próprias inclinações. Sou livre quando, ao flagrar meus desejos, consigo agir racionalmente, contrariando o que sugerem meus impulsos.

A moral não é uma vigilância castradora, mas é é um olhar sobre si mesmo; é um lugar na mente onde a reflexão impõe os limites que imperam a conduta. No entanto, basta não conhecer as próprias fraquezas para se tornar escravo dos apetites que possui.

O que difere o homem dos outros animais é a sua capacidade de pensar para agir, de modo que aquele que se conduz pelos seus instintos e inclinações, aproxima-se da animalidade; mas aquele que age pela via da razão aproxima-se de sua destinação moral.

Ao entender a felicidade como acúmulo de desejos saciados, o homem tende a priorizar a busca pelos prazeres dos sentidos e das vaidades, sem perceber que quanto mais se sacia um prazer biológico ou vaidoso, mais extravagantes e intensos estes prazeres terão de ser futuramente, a fim de se obter o mesmo nível de satisfação.

A fase da vontade surge, frequentemente, quando os excessos decorrentes da saciação dos apetites resulta em adoecimento físico e/ou psicológico. Observando o comportamento humano na sociedade atual percebemos que a maioria necessita do sofrimento para compreender que a saciação de desejos não representa um estado real de felicidade ao longo do tempo.

É o sentimento de total insatisfação que tende a levar o homem à busca e compreensão de si mesmo. Liberto da prisão de apetites que o faz sofrer, ele então livre se vê para buscar o aprendizado virtuoso balizado na razão.

A razão inclinada ao aprendizado ético-moral produz, por consequência, equilíbrio e serenidade; e, num mundo caótico, caracterizado pela competição em busca de euforia e saciação de apetites perturbadores, não seriam o equilíbrio e a serenidade a própria felicidade?!

Pensemos nisso.

Mais sobre o tema, na aula de ética do prof. Clóvis de Barros Filho (link abaixo):

http://vimeo.com/channels/623084

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